sexta-feira, 16 de maio de 2014

Uma breve história da nossa imobilidade urbana

JK fotografado pelo grande Gervásio Batista
As grandes cidades brasileiras rumam para situação de imobilidade urbana absoluta. Todos os prognósticos apontam, invariavelmente, nessa direção. Algumas antes, outras um pouco mais tarde, todas uma hora vão parar, literalmente. Recentemente, o Correio Braziliense publicou matéria que previa o blackout no trânsito da capital para o ano de 2020.

O problema, no Brasil, tem duas causas principais, ambas extremamente difíceis de serem solucionadas. Nossa imobilidade tem uma causa estrutural – fundada na escolha de governos passados por uma política rodoviarista; e uma causa cultural – uma vez que os brasileiros incorporaram o rodoviarismo historicamente disseminado e não aceitam facilmente mudar para alternativas de transporte que não sejam cômodas como seu carro particular.

A história vem de longe. A chegada dos primeiros automóveis, no início do século XX, enfeitiçou o presidente Washington Luís, que nos idos de 1920 passou a investir pesado na construção de rodovias. Seu projeto era desenvolver uma política rodoviarista no Brasil, o que parecia ser, então, a alternativa certa para o crescimento do país.

Nas grandes cidades, que surgiram sem qualquer planejamento, a malha viária que começava a ser implantada não tinha qualquer preocupação com eventual aumento de frota. Ruelas eram construídas com o único intuito de suportar o insipiente trânsito da época.

Mais adiante, Getúlio Vargas, com sua política também fortemente desenvolvimentista, deu os primeiros passos rumo à industrialização que seria implantada, para valer, no governo do presidente bossa nova Juscelino Kubitschek. O mineiro, desenvolvimentista até o último fio de cabelo, tinha como lema “50 anos em 5”, querendo dizer que faria o Brasil avançar 50 anos durante os cinco anos de seu mandato.

E Juscelino fez muito. Primeiro, trouxe as indústrias de automóvel, que se instalaram inicialmente na região do ABC paulista e começaram a despejar automóveis a preços mais acessíveis no mercado. Foi a partir de então que o brasileiro passou a se locomover em cima de quatro rodas. Depois, investiu mais pesadamente na construção de rodovias e apoiou fortemente a ampliação das malhas viárias urbanas.

Brasília, obra mais marcante de seu governo, é prova disso. Amplas avenidas feitas desenhadas para o trânsito de automóveis. E rodovias foram construídas – saindo ou passando por Brasília – para integrar o país.

O desenvolvimentismo de Juscelino deixou - além de dívidas gigantescas e rombos nos cofres públicos que pagamos até hoje –, dois grandes legados: Brasília, capital cartão-postal, e a “cultura do carro”.

Depois de JK, o automóvel passou a ser uma necessidade básica e um símbolo de status.

Urbanização

A industrialização trouxe como consequência a urbanização do Brasil. O país, predominantemente rural durante a primeira metade do século, foi se transformando em país urbano a partir dos anos 1950. As cidades começaram a inchar – aquelas mesmas cidades que no início do século XX construíram ruelas para o trânsito dos primeiros e pouquíssimos automóveis que circulavam. Essas ruelas, é óbvio, não suportaram o crescimento da frota. Mas não havia como reconstruir as cidades. A solução encontrada, então, foi partir para a construção de viadutos, túneis, elevados, pontes.

Esse, inclusive, continua sendo o caminho escolhido pelos governantes da atualidade, que preferem alargar e duplicar pistas, construir mais e mais viadutos e pontes, ao invés de mudarem o rumo das coisas e investirem em formas alternativas de locomoção, diante da iminência do colapso do atual sistema.

Coadjuvante

Durante todo esse tempo, o transporte coletivo se desenvolveu numa condição de coadjuvante no cenário do trânsito brasileiro. Nunca no papel principal. Seguimos mais o padrão norte americano de transporte, que prioriza o automóvel – o chamado american way of life previa que cada norte americano devia ter uma casa e um carro estacionado na garagem. E menos o padrão europeu, que há muito percebeu que a solução está no transporte coletivo de qualidade – trens e ônibus –, e em formas alternativas de locomoção, como a bicicleta.

Hoje, colhemos os amargos frutos das escolhas feitas há mais de 100 anos pelos governantes da época. Mas também, e principalmente, da insistência insana e inexplicável nos nossos atuais administradores públicos que, talvez reféns dos grandes grupos econômicos (principalmente montadoras e construtoras), não querem mudar o rumo da história, mantendo viva a “cultura do carro”, popularizada pelo presidente bossa nova.

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