quarta-feira, 14 de maio de 2025

Bicicleta: meio de transporte ou brinquedo?


Eu ainda estou naquela fase de me readaptar ao pedalar diariamente, e também de viver essa experiência de ver a cidade de cima de uma bicicleta. Como eu já andei muito pela cidade em cima de uma magrela, eu sei como é complicado e delicado, como é perigoso mesmo, como é preciso estar bem habituado, ter bastante prática. E como eu fiquei muito tempo afastado e não sei o que que aconteceu nesse tempo, ainda estou nessa fase de reencontro com a bike, e com a bike no trânsito.
 

Claro que nesses dias, mesmo estando nessa pegada de pedalar por aí só curtindo o pedal, já fui aproveitando pra começar a ver o que mudou em termos de ciclovias, ciclofaixas e outras estruturas voltadas para mobilidade. 

Mas antes de entrar com tudo no tema da mobilidade – ou da falta de estrutura para mobilidade alternativa aqui na cidade, que é que tenho visto – eu queria falar ainda um pouco dessa emoção da minha volta aos pedais. 

Queria lembrar como a bicicleta tem essa coisa lúdica, tem essa coisa de memória afetiva. Principalmente, claro, pra quem andou muito de bicicleta no começo da vida, como é o meu caso. Vira e mexe eu me pego brincando em cima da bicicleta. E vejo outras pessoas assim também, pessoas mais velhas, pedalando por aí, sempre com um ar leve, aparentemente satisfeitos só por estarem usando uma bicicleta pra se locomover, para irem ao mercado, à farmácia, ou mesmo só passeando por aí. A alegria que essas pessoas demonstram é visível. 

Mesmo usando a bicicleta como meio de transporte, para ir para o trabalho, para a faculdade, para a academia, para fazer o que quer que seja, a gente ainda se pega brincando, curtindo fazer uma curva, brincando de zigzaguear, "acelerando", curtindo uma descida de ladeira. Nessa hora, a gente acaba se sentido de volta àquela época de criança, quando a bicicleta era ainda só um brinquedão

Mas foi com esse brinquedo que eu posso dizer que comecei a conquistar o mundo. Passei minha primeira infância numa cidade de interior muito pequena. Pequena mesmo. Nessa época, quando a gente saía, a turminha, para brincar, tínhamos que ficar só ali por perto de casa, na frente mesmo de casa. Não podíamos sair dali, da vista das nossas mães. 

E, quando a gente não tinha ainda bicicleta, a gente nem tinha mesmo como se afastar muito. Nesse tempo, ir até o fim da rua já era uma aventura e tanto. 

Mas foi aprender a pedalar e pronto. Começamos a conquistar o mundo. Pedalando, começamos a passar dos limites do final da rua. Logo já estávamos indo até a outra rua que passava atrás das nossas casas. A sensação era como de um astronauta viajando para outro planeta. Foi nessa época que chegamos a quase presenciar um assalto, ocorrido num açougue da cidade, localizado duas ruas de distância da minha. Imagina o bafafá que não foi na pequena cidade de interior, onde nunca acontecia nada. Todo mundo só falava naquilo. E nós chegamos lá poucos minutos depois de acontecer. De bicicleta. 

Então, sabe, foi de bike que eu comecei a ter alguma autonomia, eu comecei a deixar minha casa, vamos dizer assim, em cima do selim de uma bicicleta. Foi ali que eu comecei a conhecer o mundo. Foi ali que eu comecei a a sair debaixo da saia da minha mãe, e ir a lugares que eu nunca tinha ido e que, para mim, era ir além de todas as fronteiras do universo. É muito interessante pensar desse jeito. O mundo começou a ficar enorme, ia muito além dos muros da minha casa ou da comprida rua em que morávamos.

E parece que até hoje ainda vivo isso. Em cada passeio novo, cada pedalada para um novo lado é como reviver os pedais de infância e ir além das fronteiras do meu universo, explorar novos cantos do mundo. Ainda é como ir depois dos limites da rua da minha infância. Como um explorador, um navegante rumo a novos mares, desconhecidos. Isso é bem piegas, tá bom, eu sei. Mas essa é a sensação. 

Para mim, não dá pra negar que andar de bicicleta tem uma pegada lúdica. Ou de skate, de patinete, ou girar bambolê. Qualquer coisa que você fazia quando criança e que gostava. Voltar a fazer essas coisas ligam a gente ao nosso lado infantil, que nunca morre. Eu, por exemplo, ainda estou brincando em cima da bike. 

E trazer essa emoção, trazer o lúdico para nossa vida de adulto é uma coisa muito legal mesmo. E comprovadamente faz bem para nossa saúde, física e mental. No meu caso, é andar de bicicleta e também de skate, duas coisas que fiz muito na vida. Mas acho que principalmente a bicicleta. Reviver isso me faz sentir mais novo de novo, eu volto a ser tomado por aquela felicidade pura, aquela alegria leve e sem motivo, aquela sensação de imortalidade que só as crianças têm. 

Deve ser bem por isso que várias vezes que retorno de alguns pedais mais longos – e olha que eu já fiz pedais de mais de 100km –, quando desço da bike, com as pernas ardendo de tanto esforço realizado e os músculos dos braços também cansados, no rosto eu carrego um sorriso leve, de puro prazer. Um tanto inexplicável e enigmático. 

Olha, não consigo imaginar outro meio de transporte tão eficaz e com tantas qualidades como a bicicleta: além de um excelente meio de transporte para andar pelas cidades ou pelas trilhas, é uma atividade física bem completa, indicada para todas as idades, aeróbico e de baixíssimo impacto, e é uma diversão incessante, que faz um bem danado para a alma e para a mente. 

A hora que eu subo na bicicleta, saio pelo portão de casa e vou rodar pelo mundo, naquela hora eu deixo para trás as responsabilidades da vida adulta. Ali eu esqueço dos boletos, esqueço que eu tenho que trabalhar, que eu tenho problemas ainda sem solução, mil preocupações que povoam diariamente a cabeça, pelo que fiz e pelo que ainda tenho por fazer. 

Em cima da bicicleta eu me desconecto de tudo e vou viver intensamente aquele momento. 

Inclusive essa desconexão é bem importante, porque andando pela cidade ou fazendo uma trilha por aí, você precisa ter muita atenção em tudo que está fazendo e em tudo que acontece à sua volta. A bicicleta é um veículo de transporte de equilíbrio e um veículo com pouquíssima proteção para o condutor. Então, andar de bicicleta com a cabeça em outro lugar pode não dar bom. Sem atenção, periga você não ver um buraco na pista, uma criança ou um animal atravessando na sua frente, um carro, uma moto, e aí já era. 

Resumindo, andar de bicicleta é bom pra se desconectar do mundo. E se desconectar do mundo é muito bom pra andar de bicicleta. 

Bom, por hoje era isso. Era só mesmo a necessidade de compartilhar com vocês um pouco da emoção que ainda estou vivendo. Mas nos próximos textos vamos voltar, então, a falar de mobilidade em Brasília – ou da falta de estrutura para mobilidade. Porque com esses poucos pedais que dei nesse retorno, como eu já disse no post anterior, já deu pra ver que tem muito para falar, muito para criticar e muito para sugerir. 

Então, um abraço e até a próxima. 


* imagem do post criada por inteligência artificial 

Nenhum comentário:

Postar um comentário