Ainda nem deu um mês que voltei a circular pela cidade em cima de uma bicicleta, cruzando ciclovias, ciclofaixas mas, principalmente, pistas mesmo, e já passei alguns perrengues nas pistas. Coisa boba, nada de muito risco. Mas deu pra já sentir outra coisa, que percebo que não mudou nessa década que fiquei longe do pedal: parece que alguns motoristas de carro - e, na minha estatística, prefiro ainda achar que são apenas alguns, e não muitos - simplesmente não enxergam bicicletas. Parecem padecer de algum problema crônico de visão seletiva, e só têm olhos para outros carros, caminhões, ônibus e, talvez, algumas motos mais barulhentas. Mas bicicletas, não veem mesmo.
Quando vou pra rua, em locais em que não tenho outra alternativa - ciclovia, calçada ou algo parecido - pedalo pela pista, na faixa da direita, mas não ando lambendo a borda da pista, o paralelepípedo, a sarjeta. Não ando acuado lá no cantinho. Porque, não sei se você já parou para perceber, mas aquele espaço junta toda sujeira da pista. Pequenas pedras, pedaços de vidro quebrado, parafusos, papéis, plásticos de todo tipo, terra, areia, borracha, óleo. Toda essa sujeira vai se acumulando no canto das ruas com o tempo, tornando muito perigoso trafegar por ali.
Além disso, se você fica muito no canto da pista, você encoraja mais ainda os carros, motos e ônibus a passarem por você tirando finos. Se você está bem no cantinho, eles não precisam mudar de faixa ou desviar de você. Seguem normalmente pela faixa da direita e ultrapassam a bicicleta passando a poucos centímetros. É um risco enorme ter um carro ultrapassando enquanto você pedala naquele canto cheio de sujeiras e ainda por cima com o risco de você se deparar com uma boca de lobo ou uma grade de bueiro aberta, um desnível ou outra barreira da qual você precise se desviar. Simplesmente não tem espaço e nem tempo. Se você mudar o percurso, vai pra cima do carro que está na faixa. Se seguir sem desviar, pode pegar um buraco que bem provavelmente vai derrubar você.
Então, por esse motivo, entre outros, quando tenho que andar pela via, acabo pedalando pela faixa da direita, mais centralizado na faixa mesmo, como um veículo, "obrigando" os carros que quiserem me ultrapassar a mudarem de faixa, E aí, parece que essa postura incomoda alguns motoristas.
Assumo que é um risco que corro. Mas, além da questão que expliquei acima, do risco de andar na beirinha da pista, também tem uma coisa de se posicionar. De ativismo, mesmo. Tenho os mesmos direitos, sou um veículo usando as pistas para me locomover pela cidade. A única diferença é que não tenho motor me impulsionando. Uso minha própria força motora para me movimentar.
Não estou usando a pista para fazer exercício, como aqueles pelotões de ciclistas que usam as ruas como espaço de treinamento, que não param em sinais ou faixas de pedestre e não respeitam qualquer regra de trânsito mas gostam muito de exigir respeito. Sou contra esse uso das vias e rodovias como pista de treino por gente que não entende o papel de cada um no trânsito.
Mas, no meu caso, estou, de bicicleta, usando a rua para me locomover pela cidade. Indo ao trabalho, voltando do trabalho, indo a um mercado, indo fazer uma visita, um passeio, indo ao cinema. Uso a bike como a maioria das pessoas usa seu carro ou sua moto.
E, muito importante. Como nessas situações estou me colocando em pé de igualdade com os motoristas que estão trafegando pela pista, assim como eles eu também sigo as regras do trânsito: ando na mão, paro nos sinais de trânsito e nas faixas de pedestre, sinalizo mudanças de faixa ou desvios de rota, ando equipado com itens de segurança - capacete, óculos, espelho retrovisor e luzes de sinalização.
Tá certo. Eu concordo com você. O ideal seria eu não andar de bicicleta pela rua, disputando espaço com os carros, motos e ônibus. O ideal mesmo seria andar pelas ciclovias ou, no mesmo, pelas ciclofaixas. Mas, como você mesmo já deve ter reparado quando anda pela cidade de Brasília e suas regiões administrativas, apesar de as notícias apontarem centenas de quilômetros de ciclovias, essas pistas não se conectam.
Você tá de lá, de boa na lagoa, pedalando por um ciclovia e, de repente, ela termina. Do nada. Você simplesmente ou tem que pedalar pela grama ou tem que encarar pedalar pela rua mesmo.
Então, de um jeito ou de outro, quem anda de bicicleta pela capital, pelo menos quem faz percursos mais longos, entre regiões administrativas, a passeio ou usando a bike como meio de transporte, uma hora vai precisar pedalar pelas ruas durante seus trajetos.
E é aí que começam os problemas. E os perigos. Para ciclistas e para pilotos e motoristas. Sim, para os motoristas também. Porque se você, que dirige seu carro pelas ruas, eventualmente se envolver em um acidente com um ciclista, além de poder se machucar e ter prejuízo com seu carro, pode causar graves ferimentos ou até a morte de alguém. E eu nem consigo imaginar como isso deve ser complicado.
Então, aqui, proponho uma reflexão e, talvez, um chamado à ação. Pense comigo.
O fato de usar uma bicicleta para me movimentar pela cidade só traz vantagens, pra mim e e para os demais usuários do trânsito. Pense comigo: são menos carros nas ruas, diminuindo esse trânsito caótico; menos poluição, menos gasto de energia fóssil ou mesmo elétrica. Com o trânsito mais facilitado, se reduz o estresse. Se reduz o gasto de combustível e o gasto com a manutenção do veículo. Se reduz o tempo desperdiçado nos trajetos para o trabalho ou outros destinos.
Pensando dessa forma, a criação de uma estrutura de ciclomobilidade séria, voltada para o uso da bicicleta como meio de transporte viável e segura, é uma grande vantagem para todos. Motoristas, pilotos, usuários de transportes públicos e pedestres. Não só para os ciclistas. Não se trata aqui de demonizar motoristas nem tentar enfrentar a indústria automotiva. Creio que haja espaço pra todos.
Então, a reflexão e o chamamento que faço é que todos que precisam se locomover pela cidade pelas ruas e avenidas, seja de carro, ônibus, moto, a pé ou de bicicleta, se juntem para cobrar do poder público um projeto sério de ciclomobilidade.
Para o bem do ciclista. Para o bem dos motoristas. Para o bem de todos.
Por uma cidade e um trânsito mais pacífico e inteligente.
Façamos todos nossa parte cobrando do governo, do legislativo, de quem tem o poder nas mãos.
Porque de nada adianta só reclamarmos do trânsito, mas não pensarmos numa solução para o problema e não nos engajarmos em propostas que podem minimizar esse problema, que piora a cada dia e que promete inviabilizar as cidades em poucos anos, se nada for feito.
O que você acha? Vamos juntos nessa?
Pense nisso.
Até a próxima.
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