terça-feira, 27 de maio de 2025

Pedal de 7km e 7 tipos diferentes de piso - a aventura do ciclismo urbano

O dia amanheceu nublado, mas com aquelas nuvens mais brancas e altas. Não ia chover. E tava bem fresquinho, bom pra pedalar. Logo depois de preparar o primeiro café, reparei que a comida da Benta (papagaia do Congo que mora comigo) estava bem no fim. Pronto, já tinha um bom motivo pra um pedal. A pet shop fica a uns sete quilômetros de casa. Passeando, dava um pedal de 15 km ida e volta. Perfeito.

Casa ajeitada, hora de partir. Caramanhola cheia, capacete, óculos amarelo, apito pendurado no peito, sapatilha, luzes de sinalização ligadas, uma conferida rápida na bike. Tudo ok. Portão de casa aberto e partiu.


E aí, é aquilo que quem pedala em Brasília já tá acostumado. Em sete quilômetros dentro da mesma Região Administrativa, pedalei por vários tipos de pistas e pavimentos. Andei em ciclovia, andei pela pista, pedalei em grama, trafeguei por calçada que finge ser ciclovia, calçada que é calçada mesmo e até por um trecho de terra.   

Foram sete quilômetros de percurso, e sete pisos diferentes. É impressionante. Eu já comentei várias vezes que na cidade não há nenhuma ciclovia permanente, que se possa cruzar longos trajetos pela cidade, como em outras cidades que já tive oportunidade de visitar.

Como este exemplo de Nova York, citado em texto que li no último final de semana no jornal de Folha de São Paulo sobre um decreto do presidente Donald Trump que faz uma caça aos imigrantes perseguindo ciclistas, já que muito imigrantes, pobres, acabam encontrando seu ganha-pão trabalhando, de bicicleta, para aplicativos de entrega. 

Mas, para além do absurdo da medida, um trecho da matéria me impressionou, mas de uma forma positiva. Diz o autor que 

Na cidade de Nova York a coisa é diferente. O desenvolvimento social e urbanístico de Manhattan privilegiou o transporte de massa e, na última década, a micromobilidade (veículos leves, como bicicletas e patinetes).

Aqui na Frederick Douglass passa uma ciclorrota que me leva ao Central Park em menos de dois minutos. Por ela também chego em cinco minutos a três ciclovias que cruzam a ilha de norte a sul, entre elas a ciclovia do rio Hudson, que se prolonga com o nome de Empire State Trail até a fronteira do Canadá, a 1.200 km daqui.

Com os planos de ampliação cicloviária e do programa Visão Zero, que tem como objetivo zerar as mortes no trânsito, a cidade caminhava para se tornar um modelo universal de mobilidade sustentável e inclusiva. Até o Bronx, distrito mais pobre e lar de imigrantes desfavorecidos, está nos planos.

Apesar de retrocesso civilizatório trazido pela gestão Trump, uma cidade do porte gigantesco de Nova York, uma das poucas megalópolis do planeta, se tornar um modelo de ciclomobilidade é algo surpreendente. Fiquei imaginando essas ciclovias cruzando a cidade, cruzando a fronteira com o Canadá. Ciclovias planejadas com inteligência de trânsito e que ofereçam segurança para os ciclistas, para que se sintam encorajados a optar pela bicicleta como meio de transporte.

Na Europa, as principais capitais estão nessa mesma pegada, privilegiando essa micromobilidade e taxando o uso de carros nas principais regiões das cidades. Vi isso em Paris e em Berlim. E sei que o mesmo acontece em Amsterdã e tantas outras grandes cidades do velho continente.

Enquanto isso, aqui no Brasil, poucas cidades tem focado nesse tipo de mobilidade. Por aqui vivemos sob o pálio de iniciativas politiqueiras, com construção de pequenos pedaços de calçadas para bicicletas, voltado para o lazer do cidadão, das crianças, e com interesse eleitoral. 

Não consigo imaginar que não existam profissionais qualificados em nosso departamento de trânsito ou na Secretaria de Mobilidade (sim, temos uma secretaria na capital com esse nome, apesar da mobilidade em Brasília ser lastimável), e em outras áreas afins. Só posso acreditar que haja total falta de vontade política para privilegiar a micromobilidade. Não é crível que não haja dinheiro para tocar um projeto cicloviário na cidade, vendo a quantidade de obras sempre em curso na cidade com foco na indústria automobilística. 

Porque só o que é preciso é o GDF reunir esses profissionais técnicos, essa inteligência de trânsito e colocá-los em contato com representantes comunitários para levantamento de necessidades, com vistas à construção de um projeto sério de ciclovias. 

A gestão que assumir o GDF e levar adiante um projeto nesse sentido vai realmente ficar marcada como uma gestão revolucionária, que mudou o rumo (sem trocadilhos) da mobilidade na cidade. 

E veríamos Brasília, assim como Nova York, se tornar uma cidade modelo de micromobilidade.

É isso. Um abraço.

*Link para a matéria publicada na Folha de São Paulo: https://www1.folha.uol.com.br/blogs/ciclocosmo/2025/05/em-nova-york-pedalar-pode-dar-cadeia.shtml



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